Recife, Pernambuco
Clotilde Tavares | 9 de setembro de 2009De todos os lugares que fazem parte dos primeiros quinze anos da minha vida, a cidade do Recife é de longe aquele que carrega uma carga afetiva maior, uma mistura de sensações vívidas e intensas, mesmo depois de passados tantos anos.
Foi em Recife que eu vi o mar pela primeira vez. Fiquei ali, abestalhada e muda diante daquela imensidão de água, sem saber direito o que pensar e sem esconder uma certa decepção. Ouvira tanto falar do mar que imaginava um espetáculo variegado e colorido, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo e agora me mostravam apenas aquele monte de água, indo e voltando, sem nada mais além disso. Ah, caro leitor, eu só tinha cinco anos e esperava que o mar fosse pelo menos melhor do que o circo. Hoje, com mais de sessenta, continuo achando o circo mais interessante do que o mar.
Mas há outras lembranças. O quintal de mangueiras da casa da minha tia Petroniza. A casa da minha avó numa rua chamada “Subida do S”. A feira do Hipódromo nas quintas feiras onde comíamos sapotis doces e deliciosos e víamos passar, terrível e majestoso, altíssimo, de chapelão e bengala, o poeta Ascenso Ferreira.
Já mocinha, íamos ao passeio no “Quem-me-quer”, que era como se chamava a calçada do cinema São Luiz, e me parece ouvir ainda o som espetacular do gongo, anunciando o início da sessão. Os rapazes usavam terno e gravata para ir ao cinema e nós, garotas, equilibrávamos nossos vacilantes treze anos nos sapatos de saltinho. Ao terminar o filme, íamos tomar sorvete no Guemba, ou na Botijinha.
Depois, memórias mais adultas, da época em que morei lá quando fazia mestrado. A ditadura militar agonizava mas ainda nos amedrontava em seus últimos estertores e lembro de memorável carreira que dei pela Avenida Conde da Boa Vista afora, perseguida por um policial a cavalo. Fui salva por companheiros anônimos e por dúzias de bolas de gude que fizeram a montaria se estatelar no chão.
Com os ventos da anistia, vi voltarem Arraes, Gregorio e Julião, e comemorei com meu tio Cláudio Tavares, o comunista mais comunista que já conheci em toda a minha vida, a redemocratização.
Era o final dos anos 70, e no coreto da praça da Várzea, a um quarteirão do apartamento em que eu morava, Antonio Nóbrega se apresentava para uma platéia embevecida que já vislumbrava o grande artista que ele viria ser. Nessa mesma época também vi nascer as carreiras de Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Lenine. As noites de Olinda eram curtas para os nossos delírios e o carnaval durava dez dias. O bloco Siri na Lata era um território de aprontações e a violência ainda não tinha tomado posse da festa.
Doces memórias, que dão saudade.
Este texto vai para minhas primas Sonia Neusa Mignot e Dalva Quirino de Arruda Sena, e para meu primo Mauro de Arruda Sena, que comigo compartilharam a maravilha da adolescência no Recife,
Ai, que saudade, dos belos tempos que não voltam mais!… Estava relembrando com Fatima, um dia desses, o passeio no ‘quem-me-‘quer’, e o sorvete com pudim do Gemba, ai que delícia, nunca mais comi outro igual! E quando faltava luz no Hipódromo, e a gente sentava na calçada pra conversar amenidades, ou ouvir Ivanildo tocar violão? Nossa, era bom demais…
Na foto lá em cima. É à Rua da Aurora. Aqueles prédios antigos e recuperados, em certo tempo, por volta do início dos anos 80, um deles era uma casa de cômodos. Já morei lá. Belos tempos. Eu era Hippie e vendia meus trampos na Ponte de Ferro e na calçada do Cine São Luiz. Acho que o prédio falado é aquele de cor avermelhada. O da esquina era a secretaria de segurança do estado. As magens do Rio Capibaribe.
Vige… fuiii
ai, vou ali chorar um pouquinho…